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INSTITUCIONAL // MATÉRIA

O ENSINO PRIVADO DIANTE DA INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

 

Por Jorge Lutz Muller (Coordenador Jurídico do SINEPE/RS)

 

O tema da inclusão cada vez mais se revela com sucedâneo da utopia socialista. Já não se trata de tomar o poder, socializar os meios de produção e impor políticas distributivistas como caminho de redenção terrena, e sim de pretender a reforma da sociedade pelo caminho duplo da mobilização social e da implantação de políticas igualitárias, no seio das quais tem especial relevo a inclusão social. E, dentro desta, a inclusão das pessoas com deficiência.

 

Sob essa ótica, já não se trata, simplesmente, de adaptar as pessoas com deficiência às "realidades" da vida social, e sim transformar a vida social para que ela se torne mais solidária, mais acolhedora e mais equânime. A crítica ao individualismo consumerista e, por extensão, ao próprio capitalismo, passa a ser feita por um viés mais antropológico, e a inclusão, além de se apresentar como nobre objetivo humanitário, passa a ser pleiteada e implantada como política pública compensatória, sob o pálio de uma atuação estatal intervencionista, que não se limita, apenas, a regrar o jogo, mais que quer interferir no resultado dele.

 

Nesse cenário, abre-se espaço para aquilo que o filósofo inglês Michael Oakeshott caracteriza como "política da fé", segundo a qual a atividade dos governos é vista como sendo destinada a assegurar a perfectibilização da vida social. A isso ele opunha o que chamava de "política do ceticismo", segundo a qual os governos, longue de serem entidades benfeitoras, eram apenas entidades necessárias para assegurar um sistema de "direitos", deveres e formas de reparação", para que, através disso, relutasse viável a cada um perseguir, por sua conta e risco, seus próprios objetivos (desde que legítimos).

 

Os seguidores da "política da fé", ancorados no Estado, costumam propugnar o que se poderia chamar de imposição inclusiva. Os seguidores da "política do ceticismo" vão defender o que se poderia chamar de opção inclusiva.

 

A imposição inclusiva, entendida como obrigação generalizada (isto é, não só do Estado) de incluir - e de incluir em amplo espectro -, costuma ser pleiteada por segmentos que desejam um Estado tutelante, snão mesmo autoritário. Para isso, buscam a captura de instâncias estatais para fazê-las adotar esse viés e, com isso, propriciar o convencimento ou a submissão dos dissidentes. Já a opção inclusiva costuma ser propugnada por quem tenha maiores reservas quanto ao papel "prometeico" atribuído ao Estado e pretende que ela seja exercida num contexto de alternativas, à luz do princípio da razoabilidade e temperado pela observação das experiências sociais.

 

Como essas distintas visões analisam o suporte normativo da inclusão de pessoas com deficiência?

 

De início, convém ressaltar que a regra básica contida na CF/88 preconiza, em seu art. 208, inciso III, "atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino." Dessa regra pode-se extrair um princípio, qual seja, o da "preferenciabilidade" de que o atendimento se faça na rede regular de ensino. Por óbvio, quem alude à preferência não pode confundi-la com impositividade.

 

Observe-se, também, que as chamas escolas especiais  integram a referida rede regular de ensino (conforme art. 2°, I, 'b', da Lei n. 7.953/89). Em outras palavras: mesmo sob a ótica do atendimento compulsório, pode-se-á fazê-lo tanto nas chamadas classes das escolas comuns como nas classes das escolas especiais. Na realidade, o que o legislador constitucional teve em vista foi a determinação para que o ensino ministrado aos alunos com deficiência não ficasse restrito à esfera doméstica, mas fosse canalizado para a rede regular de ensino, seja nas escolas comuns, seja nas escolas especiais, conforme o caso e as circustâncias.

 

Esse cenário modificou-se, até certo ponto, com a chamada Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, firmada em Nova Iorque e aprovada pelo Brasil com status de emenda constitucional. Essa convenção preconiza a inclusão ampla e permite a interpretação segundo a qual ela pode ser estendida ao conjunto da sociedade. No entanto, admite que os países signatários a implementem "em conformidade com seus sistemas jurídico e administrativo" (art. 33, 2). Contempla, também, a figura da "adaptação razoável", que, por sua vez, expressamente contém a vedação de "ônus desproporcional e indevido" (art. 2°). Balizas estas que, por óbvio, recomendam moderação hermenêutica.

 

Ademais, é preciso considerar que o referido status de emenda constitucional não significa dizer que a norma do inciso III do art. 208 tenha perdido a eficácia. É sabido que, em matéria constitucional, sobretudo em nível principiológico, eventuais antinormias se resolvem pelo critério da ponderação, à luz do princípio da proporcionalidade. Esse critério, por sua vez, tem conexão direta com o princípio da chamada reserva do possível , já sedimentado na jurisprudência da Suprema Corte, segundo o qual a implementação dos chamados direitos fundamentais de segunda, terceira e quarta gerações há de pautar-se pela sua efetiva plausibilidade, à luz das condições concretas do momento histórico. Em outras palavras: a dita Convenção precisa ser lida com visão sistêmica e de forma compatível com o conjunto da Constituição.

 

Pois bem, o que se constata, hoje no Brasil, é o confronto entre duas vertentes: de um lado, aqueles que enaltecem o princípio que se extrai do referido art. 208 da CF/88 (inclusão ampla como dever do Estado, e tao somente do Estado, e "preferenciabilidade", apenas, do encaminhamento a classes comuns do sistema regular); de outro lado, aqueles que preconizam e exigem inclusão ampla, para toda e qualquer deficiência, nessas classes comuns, aplicável, indistintamente, a todas as entidades educacionais, públicas ou privadas. Há respeitáveis argumentos em ambas as vertentes, exceção feita à "tese" da extinção das escolas especiais, cujo radicalismo se afigura insensato e, de resto, não tem cobertura legal.

 

Há, ainda, uma posição intermediária, segundo a qual caberia promover, na esfera do ensino privado, inclusão segmentada, à luz das disponibilidades técnicas, pedagógicas e orçamentárias da instituição de ensino. Vale dizer: não seria exigível que cada escola, individualmente, fosse guinada a admitir todo e qualquer pleito de inclusão e sim, apenas, aqueles para os quais tivesse efetivas condições de oferecer ensino de qualidade. Para operacionalizá-lo e abrir o loque de atendimentos, faz-se uma espécie de cadastro de tais escolas, para direcionamento da demanda. Com isso se assegura a planificação do serviço e se evitam ou restringem as eventualidades de desequilíbrio econômico-financeiro. É o que vem sendo gradativamente implantado no Estado do Rio Grande do Sul, a partir do diálogo que se estabeleceu entre os diversos segmentos envolvidos na questão, sob a iniciativa do Ministério Público local.

 

O que importa ressaltar, é guisa de conclusão, é a importância da percepção político-ideológica subjacente ao manejo das teses jurídicas concernentes ao tema. Entre "fideístas" e céticos quanto ao papel do Estado, haverá lugar para uma inclusão promovida pela sociedade? Em que termos?

 

(Fonte: Revista Linha Direta - Edição 184 - Ano 16, Julho 2013)

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